Quem são os nossos cobaias?
O efeito de grupo é-lhe familiar? Oito membros da equipa EVADICT sentiram esse efeito. “No início, éramos dois ou três a falar em fazer a Diagonale des Fous ®, e agora já somos oito”, diz Thierry.
O ultra é o bicho-papão que o espera à noite, deitado debaixo da sua cama. Tem medo dele mas, mesmo assim, vai para a cama. E até dorme muito bem. Mesmo tendo medo, em vez de enfrentá-lo, o que acha de dar-lhe a mão? Uma aventura excitante a iniciar com humildade e precaução, é o que se prepara para viver a nossa equipa EVADICT, no Grand Raid®, também conhecido como Diagonale des Fous®. Encontro com dois desses loucos que se preparam para dar um passo… De gigante.
O efeito de grupo é-lhe familiar? Oito membros da equipa EVADICT sentiram esse efeito. “No início, éramos dois ou três a falar em fazer a Diagonale des Fous ®, e agora já somos oito”, diz Thierry.
E quem é o Thierry? Não é preciso pesquisar muito na Internet para descobrir quem ele é. Digite Thierry Breuil, não há dois com um recorde assim. Vertiginoso. Para ficar com uma ideia, trabalha para a EVADICT há cinco anos, foi Campeão de França Júnior dos 3 000 metros Steeple, Campeão de França Esperança de Cross Country, Campeão de França de Trail em várias ocasiões. Um autêntico campeão, no verdadeiro sentido da palavra. “Tínhamos planeado fazer o Grand Raid ® com o meu irmão, que corre há dois anos, assim ele vai connosco. Nunca fiz ultra trails, só ultras curtos (100 quilómetros, é tudo relativo!) e será uma grande estreia para mim! Em contrapartida, conheço bem a ilha da Reunião pois já lá estive doze vezes em estágio com a equipa francesa de corrida em montanha. É o meu local favorito no mundo”.
Gaëtan Pitaval, chefe de produto na EVADICT, também está ligado à ilha do trail através de um laço particularmente forte. “Foi lá que conheci a minha mulher, há vinte anos. Tínhamos planeado voltar em outubro com os nossos três filhos… Ora, em outubro é a Diag’! É o que se chama um alinhamento dos planetas! É um local paradisíaco, vou voltar com muito prazer, os meus filhos estão doidos de alegria!”. No entanto, a Diag’ não era um prioridade para o praticante de trail entusiasta, mais habituado a distâncias de 25 a 80 quilómetros. “Tinha mais em mente fazer o Trail de Bourbon ® (111 quilómetros, 6 433 metros de desnível positivo)”. Mas durante uma jantarada com os seus colegas, tudo mudou! “Todos me diziam: “mas tu não vais fazer esta corrida sozinho! Vem connosco ao Grand Raid ®!” E lá me inscrevi!”.
É este o famoso efeito de grupo de que lhe falava! E em todo o seu esplendor.
A nossa equipa EVADICT Trail não escolheu o terreno mais simples para o teste na natureza… 164 quilómetros, 9 917 metros de desnível positivo. É bastante, de facto. Pode estar a pensar quais serão os objetivos definidos pelos nossos dois chefes de produto face à magnitude desta tarefa… Bem, é preciso pensar em grande. Os parâmetros a ter em conta são vários: meteorologia, terreno, forma física atual, para não falar de possíveis problemas gástricos imprevistos. Mas isso é outra história! Como já percebeu, Passar do trail para o ultra trail não é apenas uma questão de quilómetros… Mesmo que tudo gire em torno da duração do esforço.
O Thierry, de Corrèze, sonha com o top 100 e 30 horas (os vencedores de 2018 tinham concluído a prova em 23 horas). “Esta corrida simboliza muitas coisas para os habitantes da Ilha da Reunião. Os praticantes de ultra trail são venerados na ilha, os habitantes estão todos atentos à rádio ou ficam nos caminhos para incentivar os praticantes. É uma ilha fabulosa, mas muito técnica e traiçoeira. Incrivelmente difícil de praticar. A prova deve ser feita com todas as precauções necessárias. Por exemplo, quando entramos em Mafate, saímos a pé ou de helicóptero para as urgências… Quero acabar a prova, mas não tenho quaisquer certezas de conseguir, devido aos 10 000 metros de desnível positivo”.
Gaëtan, do Norte, imagina-se a acabar a prova entre 50 a 60 horas, e deseja, acima de tudo, também chegar à meta… “O meu objetivo é estar com a minha família à chegada”. Mas, embora tenha receio das restrições de duração, que deve conseguir dominar com facilidade, o verdadeiro desafio para Gaëtan será a alimentação.
“O meu problema é que não consigo comer mais”. A afirmação parece insólita, pois sabemos que comer é o prazer comum dos desportistas. No entanto, durante o esforço não é assim, e vários desportistas têm a mesma preocupação de Gaëtan. “Passado um tempo, os geles e o açúcar enjoam-me. Li muitos livros e vou experimentar várias opções nutritivas ao longo dos treinos deste ano, na esperança de encontrar o que é mais adequado para mim...”. Nestas situações delicadas, a mente assume o controlo. E que mente! Imagina o que é ter de lidar com os caprichos do seu organismo, sabendo que as suas pernas conseguem ir ainda mais longe? É frustrante, não acha?
O Thierry não passa por este problema. O praticante de trail quase não come, e não é uma tortura. Durante um esforço de 60 km, ele só bebe um litro de água e come duas compotas… Não faça o mesmo! Este regime só se adequa a ele. “Na Diagonale des Fous ®, vou ter de comer… Vai ser difícil habituar-me”. E se pensa que os desportistas de alto nível só comem massa e saladas, prepare-se para desmitificar essa ideia hoje. “Além da água e das compotas, adoro chocolates. Os que como em casa à noite no meu sofá ajudam-me a acabar a corrida!” (risos).
Os bastões constituem a maior parte do trail. No entanto, no Grand Raid ®, para garantir a segurança dos participantes, são proibidos. Um detalhe que é ainda mais importante quando se sabe que existem 10 000 metros de desnível positivo. “Ai, as pernas! É para vocês, é uma prenda! De nada”. Os nossos dois futuros praticantes de ultra trail não estão nada contentes com isso.
“Corro sempre com os meus bastões. Aliás, isso divertia o meu amigo, Thomas, que se metia comigo nas redes sociais chamando-me “o caminhante”. Agora, na ilha da Reunião, isso vai mudar-me e fazer com que me esforce por praticar sem os bastões!”. A saber: Thierry foi o primeiro corredor de elite a ganhar a Grande course des Templiers ® com bastões, em 2009.
Gaëtan também tem uma boa razão para rir-se da proibição. O chefe de produto dos acessórios EVADICT está a desenvolver um par de bastões que nem poderá utilizar na Diag’. “Não vou mentir: é frustrante! (risos) Teria sido muito bom ter oito pessoas a testá-los na natureza… Mas vou levá-los para o reconhecimento do circuito que iremos fazer alguns dias antes da prova. E podemos sempre experimentar a nova mochila de ultra 15 litros, e também a frontal!”.
O ultra trail também passa por saber evoluir de dia e de noite! O que não assusta Gaëtan, que diz estar pronto a passar três noites ao relento. O segredo da tranquilidade? A leitura, ainda e sempre. “Nos livros de preparação mental, aprendi a visualizar os momentos da corrida. Nos Templiers ®, adormeci durante 10 minutos e vi-me a passar a linha da meta. Quando vi a fotografia da meta, exaltei-me: é exatamente a imagem que tinha em mente quando adormeci. É incrível!”.
Ao contrário de Gaëtan, Thierry está muito menos tranquilo! “Não faço ideia do que é passar uma noite inteira ao relento. Normalmente, começo uma corrida e ao fim de algumas horas já estou no hotel, comi, tomei duche, dou o dia por terminado. Não sou um autêntico aventureiro, preciso de algum conforto… E a Diagonale des Fous ® é verdadeiramente para os durões… E depois, nos cumes, estão 0 graus, quando estão 30 graus durante o dia”.
Falamos da logística da corrida mas, antes de partir, é necessário pensar em treinar. Além da preparação durante todo o ano, que consiste em aumentar progressivamente o tempo de corrida e o número de quilómetros, a melhor forma de interiorizar o ultra trail é o fim de semana de choque. “O treino específico começa 3 meses antes da corrida para todos, mesmo para os que querem ganhar. Deve tentar reservar, pelo menos, um fim de semana de choque por mês. Consiste em fazer o máximo de desporto durante 48 ou 72 horas. É tudo uma questão de tempo de treino e não de quilómetros!” Explica Thierry.
Embora Thierry viva a maior parte do ano em Corrèze, esse não é o caso de Gaëtan, que expõe as limitações associadas ao treino numa região plana como Lille. “Para colmatar a falta de desnível, ando muito de bicicleta, corro numa passadeira com inclinação e faço máquina com escadas. E neste verão acho que vamos ser muitos a ir para a montanha fazer blocos de treino à base de trail, caminhada e bicicleta”.
Todos os adeptos lhe dirão o mesmo: o trail pode ser praticado individualmente mas, no entanto, é sob o prisma da partilha que faz todo o sentido. Com dez anos de experiência nos trilhos do mundo, Thierry sabe que nada seria possível sem a sua esposa. “A minha esposa está em todas as minhas corridas e em todos os postos de abastecimento. Nos trails, conhecem-na tão bem como a mim. Sem ela, não poderia praticar a alto nível. É impossível ganhar uma corrida sem teres alguém que te apoie. É um pouco como na Fórmula 1, chegas ao teu stand e partes com material novo”. É também uma oportunidade de realçar o trabalho antes, durante e após a prova destas pessoas que atuam na sombra para destacar os seus desportistas.
Gaëtan, que pratica de forma mais lúdica e apaixonada, também sabe o quanto é necessário preservar a vida familiar. “A minha esposa não está de todo no meio do trail e não a quero forçar nesse sentido. Não gosto muito de ter a minha família lá durante a corrida. Angustia-me fazê-la esperar num posto de abastecimento. Prefiro fazer a corrida sabendo que a minha esposa e os meus filhos esperam por mim à chegada, isso é o graal”.
O ultra trail é um modo de vida e de ver a vida. Aceitar as lições aprendidas faz parte desta visão do mundo. Assim, os nossos dois campeões contam-lhe as lições que o trail lhes ensinou, e a da humildade que o ultra trail está prestes a ensinar-lhes.
A lição de humildade de Gaëtan:
“O trail, para mim, é sinónimo de liberdade, paisagens magníficas, grandes espaços. É também partilhar: podemos viver 10 horas de corrida com uma rapariga ou um rapaz, aprendemos a conhecer-nos, a trocar ideias, a apoiar-nos. O trail é uma aventura interior, é um pouco místico e bem mais do que um desporto. Vais procurar coisas bem no fundo de ti, fazes a ponte com a tua vida. Na ilha da Reunião, tenho plena consciência de que vou passar por momentos em que vou estar à beira da rutura. Espero o pior: quando já não conseguir alimentar-me ou em que só vou conseguir dormir duas ou três horas…
A lição de humildade de Thierry:
“As pessoas acham que, para mim, a Diagonale des Fous ® é uma mera formalidade quando, de facto, é o total desconhecido. Quando um ultra trail curto se torna difícil, consigo manter o meu esforço porque penso que só faltam 20 quilómetros, ou seja, tenho de aguentar 2 ou 3 horas. Quando vou à frente e não vejo ninguém atrás de mim, permito-me caminhar. No Grand Raid ®, o esquema da corrida será muito diferente. Para começar, sou um corredor bastante rápido e terei de ir mais devagar. Até o vencedor tem de parar para se sentar e mudar de meias! Nunca fiz isso na vida. Então, quando estiver esgotado e me faltarem ainda 60 quilómetros para chegar ao fim, como irei reagir? É preciso encarar esta corrida com bastante humildade”.
Talvez se pergunte? Porque motivo Gaëtan e Thierry praticam trail? Porque querem eles mergulhar no ultra trail, sabendo bem o que os espera? Só há uma resposta, é preciso experimentar para compreender. O trail assume uma dimensão mágica, e o ultra trail é uma nova aventura ainda mais intensa que lhes é oferecida e à qual eles se oferecem. O ultra trail é uma viagem ao fundo de si mesmo para renovar-se. Encontramo-nos à chegada?